A vida de Garth Ennis

Nascido em 16 de janeiro de 1970, em Belfast, Irlanda do Norte, Garth Ennis cresceu em um ambiente marcado por conflitos políticos e sociais, algo que impactaria profundamente sua obra. Desde cedo, apaixonou-se por quadrinhos de guerra britânicos como Battle Picture Weekly e 2000 AD, nutrindo um interesse por narrativas violentas, satíricas e provocativas.
Aos 19 anos, Ennis iniciou sua carreira nos quadrinhos, e logo chamou atenção pelo estilo ousado, ácido e subversivo. Ao longo das décadas, consolidou-se como um dos maiores roteiristas de HQs, conhecido por dialogar diretamente com temas como religião, política, guerra e moralidade, sempre com humor negro e doses generosas de violência.
Garth Ennis é um dos roteiristas mais ousados e provocativos dos quadrinhos modernos. Conhecido por sua abordagem crua, violenta e, muitas vezes, polêmica, o autor irlandês soube transformar o gênero em ferramenta de reflexão, sátira e desconstrução. Suas obras transitam entre o humor negro, a crítica social e a brutalidade gráfica, mas sempre carregam um olhar humano — principalmente sobre personagens quebrados, frágeis e marginalizados.
A seguir, exploramos algumas de suas principais criações, destacando sinopses, impacto cultural e a importância de cada obra dentro de sua carreira e da indústria dos quadrinhos.
Primeiros Passos: do Reino Unido ao mundo
Troubled Souls (1989)

- Publicação original: Serializado na revista britânica Crisis
- Editora: Fleetway Publications
- Arte: John McCrea ( The Boys e Hitman)
- Saiu no Brasil?: Não
Sinopse: A história se passa no contexto dos Troubles, o conflito na Irlanda do Norte. Tom Boyd, um jovem protestante apolítico, encontra um pacote com uma arma — a partir daí, é involuntariamente envolvido com o IRA (o braço armado do movimento republicano), criando laços inesperados e moralmente complexos com um voluntário católico. A narrativa mostra como pessoas comuns são engolidas por conflitos políticos que não escolheram.
Análise: Foi a estreia profissional de Ennis, revelando seu espírito crítico e desejo de explorar temas sociais e políticos de forma honesta. A colaboração com John McCrea surgiria como uma das mais importantes em sua carreira, novamente presente em obras posteriores como Hitman,
True Faith (1989–1990)

- Publicação original: SSerializado na revista britânica Crisis
- Editor: Fleetway Publications
- Arte: Warren Pleece
- Saiu no Brasil?: Não.
Sinopse: O enredo gira em torno de Nigel Gibson, um adolescente desencantado que conhece Terry Adair, um adulto que perdeu a família e decide promover ações terroristas contra instituições religiosas para “provocar” Deus. A história é uma sátira ácida sobre fé, dúvida e radicalismo, questionando crenças com humor sombrio.
Análise: A HQ causou polêmica e foi acusada de incitar “ódio religioso”, o que levou à retirada e destruição de sua edição em formato de álbum em 1990. Isso consolidou a reputação de Ennis como um autor ousado e corajoso, disposto a desafiar temas sensíveis. A republicação pela Vertigo em 1997 ressaltou seu valor literário e histórico
Juiz Dredd (anos 1990)

- Editora: 2000 AD
- Artistas: Vários (incluindo Carlos Ezquerra)
- Saiu no Brasil?: Sim, editoras Abril e Mythos
Sinopse:
Antes de se firmar nos EUA, Ennis também deixou sua marca em Judge Dredd, o clássico personagem da revista britânica 2000 AD. Seus roteiros exploravam histórias curtas e arcos que levavam Dredd a confrontos não apenas contra criminosos, mas contra a própria estrutura autoritária da Mega-City One.
Análise:
Embora não seja lembrado como o auge criativo de Ennis, esse trabalho foi fundamental para moldar seu estilo. Em Juiz Dredd, ele refinou a sátira social e a crítica política que se tornariam características centrais em séries como Preacher e The Boys. O tom irreverente e o humor negro já estavam presentes, assim como a habilidade de usar o exagero distópico para expor absurdos do mundo real. É possível dizer que Juiz Dredd foi a “escola” de Ennis, o espaço em que ele testou ferramentas narrativas que mais tarde utilizaria com plena maturidade.
- Presença em outras mídias: Adaptada para o cinema em 2005 tendo Keanu Reeves como John Constantine, expandindo o alcance da obra para uma nova geração de fãs.
Consolidação no mercado britânico e salto para os EUA
Hellblazer (1991–1994)

- Editora: DC Comics / Vertigo
- Edições: #41–83
- Artistas principais: William Simpson, Steve Dillon, entre outros
- Saiu no Brasil?: Saiu em diversas editoras como Abril, Atitude, Brainstorn, Metal Pesado,Tudo em quadrinhos e Devir, mas a série só foi publicada inteira pela editora Panini.
Sinopse: Quando Garth Ennis assumiu Hellblazer, John Constantine já era um personagem estabelecido dentro do selo Vertigo. Mas foi nas mãos de Ennis que o mago cínico ganhou uma profundidade rara, enfrentando não apenas demônios e forças ocultas, mas também suas próprias falhas humanas, vícios e dilemas morais. Entre os arcos mais célebres está “Dangerous Habits”, no qual Constantine descobre ter câncer de pulmão e encara sua mortalidade de forma brutal.
Análise: Essa fase é considerada um divisor de águas para Hellblazer e também para a carreira
de Ennis. O roteirista uniu crítica social, política e humor ácido, mas o grande mérito foi humanizar Constantine como nunca antes. Ele deixou de ser apenas um anti-herói irreverente e passou a ser um reflexo cruel da fragilidade humana. Essa abordagem influenciou não apenas as futuras encarnações do personagem nos quadrinhos, mas também adaptações em outras mídias, incluindo o filme e a série de TV. Para muitos leitores, essa ainda é a fase definitiva do personagem, aquela que consolidou John Constantine como um ícone da Vertigo e Ennis como um dos grandes nomes do quadrinho ocidental.
Preacher (1995–2000)

- Editora: DC Comics / Vertigo
- Roteirista: Garth Ennis
- Ilustrador: Steve Dillon
- Formato: 66 edições, posteriormente compiladas em 9 volumes encadernados
- Saiu no Brasil? Saiu em diversas editoras como Abril, Atitude, Brainstorn, Metal Pesado, Tudo em quadrinhos e Devir, mas a série só foi publicada inteira pela editora Panini, saindo em diversos formatos.
Sinopse:
Preacher conta a história de Jesse Custer, um pastor do Texas que recebe o poder da entidade Gênesis, capaz de obrigar qualquer pessoa a obedecer suas ordens. Junto de Tulip O’Hare, sua ex-namorada, e Cassidy, um vampiro irlandês bem-humorado, Jesse parte em uma jornada pelos Estados Unidos em busca de Deus, que abandonou o Céu. A série mistura aventura, humor, horror e drama humano, explorando temas como fé, moralidade, amizade, amor e vingança.
Análise:
Essa obra é considerada a obra-prima de Ennis. Ele desconstrói a religiosidade e o mito da perfeição divina com irreverência e coragem, mas sem perder a humanidade de seus personagens. Cada interação entre Jesse, Tulip e Cassidy revela fragilidades, dilemas e conflitos pessoais que tornam a narrativa emocionalmente rica, mesmo em meio à violência gráfica e ao humor ácido. Preacher também se destaca pelo roteiro coeso e pelos diálogos inteligentes que equilibram sátira e drama, consolidando Ennis como um mestre na arte de misturar choque e reflexão.
- Presença em outras mídias: Adaptada para a TV pela AMC (2016–2019), expandindo o alcance da obra para uma nova geração de fãs.
Hitman (1996–2001)

- Editora: DC Comics
- Roteirista: Garth Ennis
- Ilustrador: John McCrea
- Formato: 60 edições, posteriormente compiladas em 10 volumes encadernados
- Saiu no Brasil? Editora Panini
Sinopse:
Hitman acompanha Tommy Monaghan, um assassino de aluguel que ganha poderes de telepatia e visão de raio-X após um encontro alienígena. Ambientada no submundo de Gotham, a história mistura situações absurdas, batalhas violentas e encontros com personagens conhecidos do universo DC, mas sempre sob uma ótica irreverente e satírica. Tommy lida com dilemas morais, lealdade, amizade e as consequências inesperadas de suas escolhas, enquanto enfrenta mafiosos, monstros e aventuras surreais.
Análise:
Hitman é um exemplo do talento de Ennis em criar anti-heróis complexos e carismáticos. O humor negro e a violência são equilibrados por momentos de humanidade, mostrando Tommy como alguém que, apesar de seus crimes, mantém códigos próprios de ética e afeto. A parceria com John McCrea é perfeita: a arte transmite leveza e expressividade, mesmo em cenas de ação intensa. A série é um retrato sofisticado do submundo urbano, combinando sátira de super-heróis, aventura e drama pessoal, consolidando Ennis como um contador de histórias versátil e profundo.
War Stories (2001–2014)

- Editoras: Vertigo (primeira fase), depois Avatar Press
- Ilustradores: Vários (incluindo David Lloyd, Dave Gibbons, Cam Kennedy)
- Formato: Minisséries e one-shots reunidos em coletâneas
- Publicação no Brasil: Algumas edições pela Opera Gráfica, mas incompleto
Sinopse:
Coletânea de histórias de guerra, cada uma focada em soldados comuns em diferentes conflitos — da Segunda Guerra Mundial ao Vietnã. Sem super-heróis, sem glamour: apenas homens e mulheres em meio ao caos.
Análise:
Aqui está a verdadeira paixão de Garth Ennis: a guerra. War Stories é um tributo às narrativas militares, mas sem o patriotismo idealizado. Ennis mostra a crueldade, o sofrimento, a camaradagem e as decisões impossíveis enfrentadas por pessoas comuns em situações extremas. A obra é marcada por sua pesquisa histórica detalhada e pelo respeito aos soldados, mesmo quando critica as guerras em si. É um dos trabalhos mais pessoais do autor, revelando o quanto ele se dedica a contar histórias “pé no chão” e humanas.
O Justiceiro (2004–2009)

- Editora: Marvel Comics (selo MAX)
- Ilustradores: Leandro Fernández, Goran Parlov, entre outros
- Edições: 60 edições + especiais
- Publicação no Brasil: Panini Comics (em encadernados e revistas do selo Max) e Salvat ( Coleção Oficial de Graphic Novel Marvel/ parte da série)
Sinopse:
Ennis transporta o Justiceiro para uma versão realista e brutal do universo Marvel. Esqueça superpoderes: Frank Castle é apenas um homem em guerra contra o crime, enfrentando mafiosos, traficantes, políticos corruptos e o peso psicológico de sua própria cruzada.
Análise:
Considerada por muitos a versão definitiva do Justiceiro, a fase MAX de Ennis é um mergulho sem filtros no submundo do crime e na mente de Castle. Violenta, sombria e extremamente crua, a série transforma o personagem em uma força da natureza, mas nunca deixa de mostrar sua humanidade quebrada. É um estudo sobre guerra, moralidade e até onde vai o desejo de vingança. Muitos roteiristas tentaram seguir esse tom depois, mas poucos chegaram tão longe quanto Ennis. Particularmente, a melhor obra do autor para mim.
The Boys (2006–2012)

- Editoras: Wildstorm (início), depois Dynamite Entertainment
- Ilustrador: Darick Robertson
- Edições: 72 edições + minisséries derivadas
- Publicação no Brasil: Devir
Sinopse:
Em um mundo onde super-heróis são celebridades, corporações manipulam suas imagens e os poderosos se escondem atrás de uma fachada de “nobreza”, surge um grupo de agentes especiais — os “The Boys” — encarregado de vigiar, expor e, quando necessário, eliminar esses ídolos corruptos.
Análise:
The Boys com certeza é a série mais famosa do autor. Nela é Ennis em seu estado mais debochado, cruel e sarcástico. Mais do que apenas uma desconstrução dos quadrinhos de super-heróis, a série é uma crítica feroz ao corporativismo, à idolatria cega e à hipocrisia moral. Com muito humor negro e violência explícita, Ennis mostra a podridão por trás do mito do herói. A parceria com Darick Robertson garantiu um visual sujo e caricato que se encaixa perfeitamente no tom corrosivo da narrativa. Hoje, com a adaptação de sucesso pela Amazon Prime, mesmo quem ama a série tem problemas com a HQ devido ao estilo autor.
Battlefields (2008–2012)

- Editora: Dynamite
- Ilustradores: Russ Braun, Carlos Ezquerra, Peter Snjeberg
- Formato: Minisséries interligadas (12 no total)
- Publicação no Brasil: Não saiu oficialmente por editoras brasileiras
Sinopse:
Seguindo a mesma linha de War Stories, Battlefields traz minisséries ambientadas em guerras reais, com tramas independentes que exploram diferentes pontos de vista: pilotos russos, soldados britânicos, combatentes judeus, entre outros.
Análise:
Battlefields pode ser visto como a “continuação espiritual” de War Stories, mas com ainda mais foco narrativo e personagens fortes. Ennis explora os bastidores da Segunda Guerra e da Guerra da Coreia, sempre priorizando a perspectiva humana e evitando o maniqueísmo. A diferença é que, em Battlefields, ele aprofunda ainda mais os protagonistas, criando figuras complexas e memoráveis — soldados que não são heróis perfeitos, mas pessoas que carregam cicatrizes físicas e emocionais. Um trabalho essencial para entender o lado mais sério e apaixonado do autor.
Crossed (2008 – atualmente)

- Editora: Avatar Press
- Criação: Garth Ennis (roteiro) e Jacen Burrows (arte)
- Formato original: Minissérie em 10 edições → originou diversas continuações e spin-offs por outros autores.
- Publicação no Brasil: Lançada pela Editora Panini, em volumes encadernados, mas somente a minissérie original feita por Ennis.
Participação de Garth Ennis
🔹 Crossed (2008–2009, #1–10) – A minissérie original escrita integralmente por Ennis, com arte de Jacen Burrows.
🔹 Crossed: Family Values (2010) – Não roteirizada por Ennis, mas supervisionada.
🔹 Crossed: Badlands (#1, #10–13, #50–56, #100) – Aqui, Ennis retorna ocasionalmente para histórias curtas dentro da série principal.
🔹 Crossed: Dead or Alive (2015, webcomic) – Ennis escreve o projeto online, com planos de adaptação em HQ física.
Ou seja, o envolvimento direto de Ennis se concentra na primeira minissérie e em alguns arcos especiais dentro de Badlands e Dead or Alive.
Sinopse:
Em um mundo devastado por uma epidemia misteriosa, os infectados – conhecidos como Crossed – são transformados em seres violentos e perversos, marcados por uma cruz vermelha no rosto. Diferente dos zumbis clássicos, os Crossed mantêm inteligência, mas são consumidos por impulsos depravados, tornando-se monstros conscientes. A série acompanha diferentes sobreviventes tentando manter a humanidade em meio ao caos e à barbárie.
Análise
Com Crossed, Ennis cria talvez sua visão mais cruel e niilista da humanidade. A obra não é apenas terror gráfico; é uma reflexão sobre até onde a civilização pode cair quando as regras sociais são eliminadas. Ao contrário de outras narrativas apocalípticas, aqui não há esperança, apenas a pergunta incômoda: “quem é realmente pior, os infectados ou os sobreviventes?”.
A violência extrema e o choque visual renderam à série fama de “impublicável”, mas ao mesmo tempo consolidaram Crossed como um clássico do horror adulto nos quadrinhos modernos. Ennis utiliza o gore e o tabu não de forma gratuita, mas como instrumento para expor a hipocrisia do moralismo, a fragilidade das instituições e a escuridão que cada pessoa carrega.
Se em Preacher ele confronta a fé, e em The Boys satiriza os super-heróis, em Crossed o autor parece querer destruir a própria noção de esperança — entregando uma HQ que ainda hoje é lembrada como uma das mais perturbadoras e impactantes do gênero.
Outras obras menos conhecidas do Autor
Sara (2018–2019)

- Editora: TKO Studios
- Ilustrador: Steve Epting
- Formato: Minissérie em 6 edições
- Publicação no Brasil: Lançada pela editora Panini
Sinopse:
Ambientada na União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, a HQ acompanha Sara, uma atiradora de elite que, junto de outras mulheres, enfrenta o frio, o medo e a brutalidade do front oriental. A narrativa alterna entre os tiros certeiros e os silêncios pesados das dúvidas internas da protagonista.
Análise:
Ennis mostra aqui sua faceta mais humana e trágica. “Sara” não é apenas sobre a guerra, mas sobre como indivíduos carregam cicatrizes invisíveis em meio a ideologias maiores do que eles. Steve Epting, com um traço realista e sóbrio, amplifica a atmosfera gelada da obra. É um título que pode parecer pequeno, mas traz alguns dos momentos mais emocionais da carreira do autor.
Soldado Desconhecido (1993)

- Editora: DC Comics / Vertigo
- Ilustrador: Kilian Plunkett
- Formato: Minissérie em 4 edições
- Publicação no Brasil: Panini
Sinopse:
Ennis revisita o clássico personagem “Soldado Desconhecido”, mas aqui o herói não é mais símbolo patriótico. Ele é apresentado como uma figura sombria, envolvida em conspirações políticas e métodos questionáveis a serviço do governo dos EUA.
Análise:
Essa minissérie já mostrava a desconstrução de mitos heroicos que Ennis faria em obras posteriores, como The Boys. É um título político, denso, mas também provocativo, retirando qualquer glamour das figuras militares. Pouco lembrada, mas essencial para entender como Ennis sempre preferiu expor os horrores por trás da bandeira.
303 (2004–2005)

- Editora: Avatar Press
- Ilustrador: Jacen Burrows
- Formato: Minissérie em 6 edições
- Publicação no Brasil: Inédita
Sinopse:
Um coronel russo, após uma emboscada no Afeganistão, encontra documentos que revelam os verdadeiros interesses por trás das guerras modernas. Movido por senso de justiça e obsessão, ele parte em uma jornada sangrenta que culmina nos EUA.
Análise:
“303” é cru, político e polêmico. Ennis aqui critica de frente o militarismo e o imperialismo norte-americano, em uma trama que mistura ação brutal com reflexões sombrias. O título faz jus à fama do roteirista como um dos mais incisivos autores de HQs de guerra.
Fury por Garth Ennis (2012–2013)

- Editora: Marvel / Max
- Ilustrador: Goran Parlov
- Formato: Série em 13 edições
- Publicação no Brasil: Panini
Sinopse:
Nesta HQ, Ennis desconstrói Nick Fury, afastando-o das aventuras coloridas dos super-heróis da Marvel e mergulhando em um retrato cru e desencantado da guerra. A narrativa acompanha Fury ao longo de várias décadas, do Vietnã até a Guerra Fria, sempre envolvido em operações militares sujas, manipulações políticas e dilemas morais que corroem tanto sua humanidade quanto sua crença no heroísmo. Não se trata de um “conto de ação”, mas de um mergulho no peso psicológico de quem viveu e perpetuou a violência em nome do seu país.
Análise:
Ennis utiliza Fury como um símbolo do militarismo americano, mas evita qualquer idealização. O personagem é mostrado como um homem endurecido, pragmático e, por vezes, brutal, incapaz de se desligar do ciclo de guerras que moldou sua identidade. A série é carregada de cinismo, mas também de melancolia: no fundo, vemos um soldado que reconhece a podridão das instituições que serve, mas que não sabe — ou não quer — viver fora delas.
Com a arte crua e direta de Goran Parlov, o quadrinho ganha um tom quase documental, sem filtros ou romantizações. Essa abordagem diferencia My War Gone By de outras obras bélicas de Ennis: aqui não há espaço para heroísmo ou catarse, apenas para a constatação amarga de que a guerra é um vício — tanto para nações quanto para homens como Nick Fury.
Definindo o autor
Garth Ennis é o autor que transformou a blasfêmia em poesia e a guerra em reflexão. Polêmico, ousado e sempre humano, suas histórias continuam provocando, emocionando e marcando gerações. E você, já se deixou impactar por alguma obra dele?

