MB Review: Vinland Saga – Uma visão tênue do amar e matar
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“Quando perguntaram sobre o que acreditava um viking, disseram: eu acredito só na minha própria força, e nada mais”
Não seria exagero dizer que, no consciente coletivo dos fãs de obras seinen (ou direcionada para um conteúdo sombrio e histórico), Vinland Saga, na maioria das vezes, é citado como essencial. Não por sua fixação pela violência, mas talvez pelo levantamento filosófico que ele propõe.
Numa era de Vikings, onde relatos históricos e do imaginário coletivo emanam a agressividade e o clímax, a obra entrega, num primeiro momento, essa base. Todavia, o que é levantado logo em seguida é uma desconstrução do conteúdo adulto e da violência (que, diga-se de passagem, já comentei sobre isso na resenha de “Devilman Crybaby“), fluindo pelo gênero e dando significado à diversos questionamentos: O que é ser homem?, O que é ser forte?, O que é ser gentil?.
Caso você não conheça a franquia e tenha se interessado, o enredo segue a história de Thorfinn, que é filho de um dos maiores guerreiros vikings. Quando o seu pai é morto na batalha contra o mercenário Askeladd, Thorfinn jura vingança. Todavia, em uma extrema contradição e necessidade, Thorfinn se junta ao grupo de Askeladd para um dia desafiá-lo para um duelo e derrotá-lo, mas acaba se envolvendo na guerra pela coroa da Inglaterra. Vale lembrar que a obra tem uma animação com a 2° temporada confirmada, e o mangá, escrito por Makoto Yukimura, está em publicação no Brasil pela editora Panini.
Na primeira parte da obra (até o 8° volume do mangá), somos apresentados a um Thorfinn que é originário de seu meio, crescido com o sentimento de vingança e rancor, que vive em meio às atrocidades vikings, dando sentido a sua existência apenas pelo sentimento de ódio, algo totalmente contra a ideologia que o seu pai buscava.
– Você não tem inimigos, ninguém tem.
Entretanto, esse era seu único meio de sobrevivência, e usava isso para subjugar sua necessidade fraternal.
Algo interessante é que já no primeiro momento da obra somos bombardeados de ações amorais e violentas e todas elas sendo, muitas vezes, justificadas pela casualidade da existência. Se você é mais fraco, logo será escravo ou morto. Toda a mudança e a fomentação que a guerra permite para o indivíduo e posta ao seu ápice é retratada nesse primeiro momento. A natureza sádica de uma civilização em seu começo e a busca de governança, afinal, todos os indivíduos que são apresentados até o momento se deleitam da guerra e usam ela como certificação da masculinidade.
O que é ser um homem?
Talvez um dos pontos onde a obra mais brilha é na passagem e mudança de visão que ela propõe, em paralelos, tanto no começo da narrativa (<8º Volume) quanto na metade (>9º Volume), dos personagem Thorfinn e Knut (príncipe e posterior rei). São dois lados de uma mesma moeda. A princípio, temos o Thorfinn guerreiro Viking louco por vingança e que somente conhece o ódio e, do outro lado, Knut, um herdeiro considerado fraco por ser “compadecido” e “medroso” para os modelos da época. Todos eles carregam consigo um background polarizado, mas o que muda em tudo é a “iluminação” de ambos.
Nicolau Maquiavel (filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento) acreditava que a natureza humana é essencialmente má e os indivíduos deveriam conseguir seus ganhos a partir do menor esforço. Os homens “de uma maneira geral, são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro”, portanto sempre guiados por interesses.
E, após um excelente background e cena que permite a Iluminação do personagem Knut, tratando sobre o que é o amor e sobre o quão preconceituoso é o “amar” que a humanidade busca, ele ascende para os princípios e ideias da época, acima do bem e do mal, e acima do amor humano, como um rei deve ser, temido e não amado.
“Não há amor no coração das pessoas?”
Outrora, após diversos eventos que levam a Thorfinn a se afastar da vingança contra Askellad, o protagonista tem sua visão posta em contraste com a de Knut. Thorfinn agora vive uma vida de escravo em uma fazenda e troca as guerras e a matança pela agricultura, tudo que lhe resta é esperar para colher os frutos, dos plantios e das ações de sua vida.
“Sem ódio, eu estou vazio”
Talvez sendo um dos melhores arcos da trama, a evolução do personagem é uma das mais bonitas e impactantes. Quando confrontado pela insignificância humana da época, e o niilismo que toda atrocidade Viking propõe, Thorfinn se encontra em um estado apático, sem motivações de ódio, amor ou raiva.
O que de fato funciona como mecanismo para a filosofia de Camus (filósofo do séc XX) entrar na obra, afinal, quando você está vazio não se tem muito o que fazer, não é? Sim e não.
Ao entrar no absurdo da existência sem sentido, só resta duas opções: se retirar dela ou enfrentar com rebeldia cada dia, esperando algo melhor. E é nisso que Thorfinn se mantém, após diversas interações, o personagem se vê iluminado com uma visão antagônica do amor de Knut, dessa vez uma visão gentil de afeto e ternura, uma maneira diferente de pensar que afirma que um verdadeiro guerreiro não precisa de uma espada e realmente não tem inimigos.
Considerações finais
Este ensaio não seria possível se não tivesse o apoio bibliográfico dos livros “Além do bem e do Mal”, de Friedrich Nietzsche, e “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Além de claro, o mangá Vinland Saga, de Makoto Yukimura .